Muito além da superficialidade e do sensacionalismo.
Existem filmes que são produzidos para nos levar a pensar e constatar que a realidade nua e crua dos marginalizados da nossa sociedade vai além da versão superficial, preconceituosa e condenatória das crônicas policiais, sejam elas escritas, radiofônicas ou televisivas. O nosso cinema, sem sombra de dúvida, é especialista em produzir filmes deste sub-gênero de caráter social, que revelam a realidade do chamado "mundo cão". O premiadíssimo Querô, filme escrito e dirigido por Carlos Cortez, baseado no livro homônimo de Plínio Marcos é um excelente exemplo deste cinema realidade.
Querô é um adolescente órfão e pobre, filho de uma prostituta, que vive fazendo pequenos furtos na zona portuária de Santos. Até que um dia, ele é preso e encaminhado para a FEBEM, onde viverá um inferno maior que nas ruas, trazendo novos traumas, ainda mais fortes para a sua pequena, mas já trágica história de vida. Depois de fugir da instituição, incentivado por uma vizinha, Querô tentar mudar de vida, namora a sobrinha de um pastor e arruma um emprego. Mas, infelizmente, vacila e volta ainda mais feroz e violento para a criminalidade, mergulhando num caminho sem volta.
O filme é um ótmo drama, que não tem medo de expor a realidade nua e crua que vive millhares de jovens marginalizados em nosso país. Com um roteiro envolvente e forte, Querô é um dos melhores representantes do nosso cinema, no sub-gênero "Mundo Cão", sendo tão bom quanto, por exemplo, Cidade de Deus e Carandiru. O filme falha apenas na quantidade exagerada de palavrões(defeito típico de boa parte das produções deste sub-gênero) e nas desnecessárias cenas do nú frontal do protagonista e do assédio homossexual que ele sofre. Mas nem esses pontos fracos conseguem tirar os méritos e brilho próprio deste filmaço.
Carlos Cortez nos preseteia com um filme excepcional, com um recado curto e direto, sem recorrer a superficialidade e sensacionalismo, muito menos ao exagero de alguns colegas seus, de enaltecer o protagonista marginalizado. Querô é mostrado como ele é, um ser humano, com qualidades e defeitos, mas, devido as sucessões de tragédias ocorridas em sua vida, desde sua concepção, acabou acentuando prioritariamente estes, até mesmo para a sua própria sobrevivência .
Com elenco praticamente desconhecido, as interpretações são o ponto alto do filme. O estreante Maxwell Nascimento arrebenta como o personagem título, dando um show à parte. Merecidamente, o jovem ator foi premiado nos renomados festivais de Brasília e Cine Ceará, por sua excepcional interpretação. Além de Nascimento e outras ótimas revelações, o filme conta com as participações especial de Maria Luísa Mendonça, Milhem Cortaz, Angêla Leal e Aílton Graça, com destaque para os três últimos, que fazem brilhantes interpretações como o seboso carcereiro da FEBEM Edgar, a asquerosa Violeta, mãe adotiva de Querô, e o tosco Brandão, colega de trabalho de Querô, respectivamente.
Com interpretações excepcionais e um roteiro forte e realista, Querô é um drama envolvente e cativante. Uma obra-prima da atual fase do nosso cinema, que nos leva a refletir sobre a nossa triste e trágica realidade, mostrando que a mesma vai muito além da superficialidade e rótulos de "bandido" difundidos pela imprensa sensacionalista. Um filmaço, para ser visto e revisto, e, principalmente, refletido, várias vezes.
Rick Pinheiro.
Cinéfilo.
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